Mariângela é uma criança muito ativa, a mãe costuma dizer que sua vida é alegre por causa da filha, uma bênção do céu para ela. E assim a menina cresce e continua sendo um alento na vida materna. A jovem trabalha como empregada doméstica na residência de dona Tereza, professora aposentada que mora sozinha, não tem filhos e considera Mariângela como pessoa da família. A moça é um encanto, faz o trabalho de casa com amor e trata a professora com muito carinho e respeito. Dona Tereza parou de lecionar e voltou toda sua atenção para a informática, suas amigas não entendem como pode se interessar por aquela máquina complicada, mas para a educadora é uma forma que encontrou para driblar a solidão. Época de internet discada, congestionamentos na rede, mas até isso é diversão para a solitária mulher. Sempre aconselha a jovem funcionaria a estudar, mas Mariângela diz:
- Estudar de que jeito dona Tereza? Saio daqui por volta das três horas da tarde e vou fazer faxina em outras casas. Minha mãe coitada somente com a lavação de roupa pra fora, não dá conta sozinha da despesa de casa, somos seis irmãos a senhora sabe, e apenas meu irmão Marcílio que trabalha de ajudante na feira livre, mas tem só 12 anos, não consegue quase nada de grana. Meu pai a gente não pode contar com ele, passa semanas abraçado num litro de cachaça, jogado na rua, nem o caminho de casa ele encontra. Deus me perdoe, mas é até bom, porque quando chega bêbado em casa maceta todo mundo. E assim como se tivesse decorado o texto, é sempre essa a explicação para justificar o abandono da escola.
Dona Tereza sente profundo amor pela moça que desde quatorze anos de idade trabalha para ela, é a filha que não teve além de assídua ao trabalho é ótima companhia, tanto que a professora convidou- a para morar juntas, a casa é grande e confortável, e a jovem poderia cuidar de estudar. Mas Mariângela não deixa a mãe que precisa dela. A afeição da aposentada por ela gerou inclusive o desejo de fazer da funcionária sua herdeira. Mas o mal do ser humano é pensar que seja eterno. A professora pensou mais não agiu e o tempo passou e a idéia não se concretizou ficou apenas na intenção.
Um dia Mariângela chegou para trabalhar, chegava cedo antes das 8 horas, e estranhou porque a porta estava com uma chave nova e a sua não girou na fechadura, então uma vizinha veio correndo gritando seu nome.
A moça pergunta o que está havendo, e a mulher explica que na noite anterior a professora teve uma crise aguda de asma e com muito custo ligou pedindo socorro, que a casa estava trancada que ela e o marido tiveram que arrebentar a fechadura, por isso pôs uma nova. Que dona Tereza ficou muito mal, não pôde leva- la de carro para o hospital foi necessário chamar a ambulância.
Cinco anos convivendo com a bondosa conselheira foi muito difícil quando ela morreu. Enquanto estava hospitalizada Mariângela continuou limpando e arrumando a casa como se a patroa estivesse ali. Mas alguns meses depois ela faleceu e vieram os sobrinhos distantes e levaram tudo que ela possuía, até o querido computador, venderam a casa, pagaram o salário do mês e nem um muito obrigado para a jovem funcionaria.
Mas a vida para Mariângela continua, na mesma labuta, agora trabalha de faxineira no shopping movimentado da cidade. Está com vinte anos de idade, cheia de esperança pensa agora encontrar um namorado, o desejo de ter sua própria família, bem diferente da que foi criada aflora em seu coração.
Foi assim com essa vontade de firmar compromisso que nossa protagonista conhece o José Carlos numa festa de roça, dessas que tem no interior que a prefeitura empresta ônibus para levar as pessoas da cidade. Nesse dia a jovem estava cansada, nem dançou por muito tempo, não tendo o direito de voltar sozinha a não ser se fosse a pé, ficou sentada em um banco mais afastado do barulho apenas olhando o movimento. Um rapaz moreno, magro, dois palmos mais alto que ela se aproxima com uma lata de cerveja e oferece para ela.
- Agradeço, mas não bebo. (Ela tem horror à bebida etílica por causa do sofrimento que passaram com o pai alcoólatra que morreu de cirrose).
- Mas nem um gole, menina linda? Ele sorri um olhar terno e muito envolvente.
- Não, mas aceito um refrigerante. E os dois vão juntos para a barraquinha comprar um guaraná.
Conversam sobre tudo. Ele é pedreiro, tem 23 anos, mora sozinho, veio de outro estado para trabalhar.
Começam a namorar, ficam noivos, e em seis meses estão casados. A moça alegre e cheia de esperança começa a morrer aos poucos. Tem o primeiro filho, e começa seu martírio. O marido carrega o mesmo demônio de seu pai o vicio da bebida, durante um tempo ele consegue disfarçar o mau habito, mas aos poucos revela a crueldade que o álcool desperta em seu corpo.
Estão casados há três anos, tem dois filhinhos e Mariângela está grávida do terceiro. O amor virou violência, o prazer um martírio, não agüenta mais ser violentada e espancada pelo companheiro, e pior que agora ele também está se voltando para os filhos pequenos. A noite anterior ele tentou dar ponta pés em sua barriga, dizendo que não dará de comer mais uma boca. Ela dormiu do lado de fora da casa abraçada aos dois filhos menores, uma menina de cabelos negros cacheados e lindos olhos negros tristes, e um menino que é a cara do pai, a quem ela abençoa todos os dias rezando para que ele não tenha herdado o maldito vicio do pai e do avô. Dessa vez o pavor foi maior, estava frio, eles ficaram chorando baixinho, as crianças ainda dormiram abraçadas a ela, mas Mariângela não cochilou, ficou atenta curtindo o medo do marido e sentindo o filho pular em seu ventre.
Amanhece Zé Carlos sai cedo para trabalhar, assim que ele dormiu lá pelas seis da manhã ela guarda os filhos na cama, corre fazer o café forte que ele gosta, uma ou duas horas de sono são suficientes para dar novo ânimo ao homem que se diz seu esposo. Assim, como se nada tivesse acontecido na noite anterior, ele toma o café e diz que a noite estará de volta. Ela conta cada hora do dia que passa a tensão, o pavor aos poucos toma conta de sua alma e vê esse mesmo medo nos olhos inocentes dos filhos.
Passa das 19 horas, ela está terminando o jantar, quando ouve o portãozinho da frente bater com força. Ele chegou. “Está bêbado, seus passos duros se aproximam da porta da cozinha, ela escuta seus resmungos: ‘ mais uma boca, mais uma boca, não sou burro de carga...” Mariângela sente seu coração pulsar rapidamente, a sensação é que vai sair pela boca, já deu janta para os filhinhos e mandou que fossem para o quarto, o mesmo ritual de sempre tentando preserva- los da violência doméstica. Ela está virada para a pia, acabara de lavar uma faca que cortara o tomate para a salada do marido.
Zé Carlos entra violentamente na cozinha e diz:
- Hoje eu arranco essa sanguessuga da sua barriga... E vai com tudo para cima da mulher, ela assustada vira- se e a faca em sua mão perfura as entranhas do bêbado que cai gemendo...
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Nívea Sabino
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