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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

NOSTALGIA




Marcelina saiu da igreja. Estava uma tarde morna. Dessas que ansiamos por uma aragem. O lugar onde mora é bucólico. O olhar de Marcelina é bucólico. Poucas coisas demonstram que o progresso ainda chegará nesse recanto provinciano. A impressão que a pobre mulher tem é que todo o resto do mundo é arredio aos habitantes de Arapiranga. As vezes ela se arrepende de um dia ter voltado para junto da mãe. Mas esse pensamento logo se afasta quando lembra do belo sorriso no rosto velho e cansado de Maria Consuelo. Há tempo para tudo, a mãe lhe diz. E ao ouvir o sermão do velho padre, Marcelina concorda que ela tem toda razão.
Marcelina foi criada naquele lugarzinho atrasado no tempo. Filha unica do casal de fazendeiros que jamais pensara em um dia deixar aquele rincão onde nem asfalto os moradores conhecem. As ruas são calçadas de pedras, trabalho dos escravos que um dia abundaram o vilarejo. Certa vez apareceram alguns parentes distantes para visitar a familia e ficaram impressionados com a desenvoltura e a inteligencia de Marcelina. Ela estava com doze anos de idade, e com o consentimento dos pais foi para a cidade grande estudar. Passava as férias na roça, mas a medida que se graduava e elevava sua escolaridade, mais rara se tornava a sua estadia na casa paterna. Marcelina estudou com afinco e passou em um concurso federal e foi morar em Brasilia, o salário percebido lhe proporciona uma ótima vida. Alguns dias após seu aniversário de quarenta anos o pai faleceu. A imagem do homem bom, justo e honesto se delineia em seus pensamentos. Foi um acontecimento muito triste aquele. A partida do pai e sua volta para a metrópole após o enterro. Desde esse dia não teve mais paz. A mãe estava muito decadente e precisava dela sua única filha. O tempo passara rápido, Marcelina tem consciencia disso, e tudo o que acumulou com seu trabalho, os títulos acadêmicos, o enorme apartamento com sua confortável suite master, o automovel que trocava todo ano, a gorda poupança que lhe dava ótimos rendimentos... Nada disso agora tem importância. A mãe doente sofrendo há dez anos. O cansaço, a vida se desfazendo, os frutos acumulados são meramente solúveis e se lhe deram prazer um dia, hoje não fazem mais nenhum sentido. A decisão irrevogável está tomada. Retornou definitivamente para Arapiranga.
Marcelina chega em casa. O sorriso da anciã que a espera na varanda ornada de flores de diferentes cores e tamanhos é semelhante à tela de um famoso pintor. Aproximou-se da mãe, deu-lhe eum beijo na face e sussurrou:
- Eu te amo, mamãe!
E ao se virar para entrar na antiga casa, ficou de frente para o espelho de moldura também antiga e fitou seu rosto enrugado, também dilapidado pelo tempo. Não sorriu, não chorou, não se lastimou. Suspirando foi até a cozinha preparar o chá para sorve- lo ao lado da mãe e aproveitar os ultimos raios de sol. O sonho logo após a morte do pai. A planta miraculosa de folhas gordas recheadas de gel transparente e amargo que semanas a fio perturbou seu sono. A Mulher vestida de sol que insistentemente lhe pedia para fazer a infusão com as folhas roxas que nasceriam em seu jardim quando ela dissesse sim. A prescrição que mesmo depois que Marcelina despertava ficava gravada a mente " ... Cujas propriedades curativas preservam a vida, mas somente se usada neste lugar" . Ultimo sonho, chorando Marcelina pegou das mãos imaculadas da Mulher a pequena muda. O mais incrível aconteceu numa manhã de sol morno, passeando pelo jardim entre flores perfumadas e sob a sinfonia de pardais e bem- te- vis, empurrando a cadeira de rodas que leva sua mãe, Marcelina ve entre as ervas- doces e amores- perfeitos, a planta de seus sonhos... As folhas gordas e roxas e suculentas, o gel miraculoso desejoso de explodir em suco. Desde esse dia Marcelina não avançou mais nem uma ruga no tempo, e Maria Consuelo teve estagnada sua doença. Os vizinhos vem buscar as folhas que se multiplam a olhos vistos. Mas um passo adiante de Arapiranga nenhum efeito produz, e suas mudas não vigoram. O alpendre florido, a companhia da mãe, a saudade do pai que parece que partiu ontem, tudo isso provoca sensações inomináveis em Marcelina. Nem parece que faz cinquenta anos que teve o primeiro sonho, que celebrou seu retorno para a casa paterna. Entre um gole e outro, com seu olhar distante aprecia o crepúsculo que transborda sua alma de nostalgia.


MEU JARDIM


A paisagem bucólica se enche de luz
A tarde atrevida lambe o jardim
E aquece avencas selvagens, Margaridas tristonhas sob sol escaldante...
Rosas lilases com espinhos voltados para o Céu,
Girassóis implorando chuva,
Mandrágoras presas a solo estrangeiro,
Miscelâneas de minusculas flores rasteiras
Azuladas de esperança sonham com nuvens
Que se acovardam no dia abrasador.

Pétalas, folhas caídas, raízes a mostra
Floemas, xilemas, orquídeas e trepadeiras
Sugando a vida da árvore mater
Vidas se renovando, se perdendo,
Se infiltrando, mistura de terra e dor,
Morte e vida latente, insetos e restos
Colorido, música, doçura e esplendor...

O meu triste olhar bucólico,
busca entre abelhas e beija flores
Um resquício de alegria...
Ânsia morna de uma tarde escaldante
Lagrimas desejosas do sereno manso
Acalmando a dor da ausência
Latejante saudade com cheiro de flor.

Nivea Sabino

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